quinta-feira, 9 de setembro de 2010

AS COMUNIDADES RIBEIRINHAS DO TEJO - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" JORNAL A BARCA - 9 DE SETEMBRO DE 2010

A palavra "ribeirinho" é derivada do latim Ripa, significando ribeira, e em bom português significa todo aquele que vive ou anda pelos rios ou ribeiras ou que mora próximo de um rio ou ribeira.
As comunidades ribeirinhas integravam todos aqueles cujo modo de vida se ligava ao rio, sendo guarda-rios, pescadores, marítimos, catraieiros, barqueiros, areeiros, calafates, lavadeiras, aguadeiros, entre outros, bem como os que viviam nas povoações ribeirinhas como artesões, agricultores, ganadeiros e comerciantes ligados às rotas fluviais de transporte de mercadorias.
Os rios que outrora foram centro desta forte actividade humana têm vindo a ser abandonados ao longo das últimas décadas face à evolução demográfica e à transformação dos modos de produção nos processos de industrialização e terciarização da economia, como a substituição do transporte fluvial pelo transporte ferroviário, transformaram os modos de vida e criaram novas profissões localizadas em aglomerados urbanos de maior dimensão.
A concentração urbana, a construção de barragens para produção de energia hidroeléctrica com a subjacente regularização das cheias e a passagem a uma agricultura intensiva aumentaram a pressão sobre a utilização das águas dos rios para consumo, irrigação e produção.
Em paralelo acentuou-se a contaminação da água face a estes usos, nomeadamente, pelos nutrientes dos fertilizantes da agricultura intensiva e descargas de águas residuais sem tratamento.
Juntemos ainda uma forte especulação imobiliária, com projectos polémicos do ponto de vista da qualidade do ambiente cuja decisão tem vindo a ser tomada à margem das comunidades ribeirinhas, dos cidadãos e mesmo do poder local.
As comunidades ribeirinhas foram assim virando as costas aos rios e são raros os casos em que foram chamadas a participar na discussão de soluções alternativas, promovendo-se a cidadania e a participação pública enquanto factores chave do seu envolvimento na conservação dos rios e ribeiras.
No rio Tejo, actualmente as actividades mais dinâmicas são a pesca e a náutica, subdividindo-se ambas em desportivas ou tradicionais, mas enquanto as primeiras florescem fruto do seu carácter lúdico, as segundas tendem a esfumar-se com o desaparecimento dos últimos pescadores, mestres e calafates portadores dos velhos saberes e das antigas memórias.
O apelo a lançar às comunidades ribeirinhas para que voltem ao rio passa pela integração do desportivo/lúdico com o tradicional, que permita transmitir a sua antiga cultura e artes em eventos que satisfazem e dão a conhecer.
Mas não só, deve-se também apelar à sua participação pública nas decisões de desenvolvimento local, nos planos estratégicos e de gestão hidrográfica, permitindo que se envolvam na escolha das melhores soluções de desenvolvimento local e de gestão integrada dos recursos hídricos.
Será a existência de comunidades ribeirinhas dinâmicas, preservando activamente o património cultural e ecológico, que permitirá, no futuro, potenciar o desenvolvimento de outras actividades económicas, como o turismo local, de natureza e cultural, actividade em crescimento em toda a Europa.
Mas a cultura e artes tradicionais destas comunidades já esperaram demais e correm o risco de se extinguirem se não forem estimuladas e registadas as memórias dos seus modos de vida e das suas técnicas de produção, sendo disto exemplo, a cultura avieira, a pesca tradicional na Ortiga e a profissão de calafate, que sentimos esvair-se por entre os dedos a cada dia que passa.
É já tempo de promover a união de esforços da administração, dos agentes económicos e culturais, e dos cidadãos da borda de água na definição de um projecto de preservação das comunidades ribeirinhas do Tejo, dos seus recursos culturais e ecológicos.
O Tejo merece!

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