quinta-feira, 3 de novembro de 2011

CRÓNICA DE UM AÇUDE ANUNCIADO - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" - JORNAL A BARCA - 3 DE NOVEMBRO DE 2011

O contentamento da centena e meia de pessoas que no dia 24 de Setembro partilharam com alegria as águas do rio Zêzere e do rio Tejo a VOGAR CONTRA A INDIFERENÇA prova a importância de termos rios vivos que possam ser vividos e proporcionem os sentimentos de bem-estar e de felicidade que o nosso povo tanto precisa.
A descida também foi educativa com todos os participantes a constatarem “in loco” uma elevada poluição das águas e um insuficiente caudal do rio Tejo e, ao contrário de algumas descidas em que participei no rio Zêzere, durante a paragem no areal ninguém optou por tomar banho no rio.
O rio Zêzere recebe maior atenção com a finalidade de conservar a qualidade das águas que têm como destino as torneiras de muitas cidades, entre as quais Lisboa, mas infelizmente não está livre de ameaças, muito pelo contrário.
Este rio “vivo” que todos os anos atrai milhares de canoístas de todo o país está hoje ameaçado pela adjudicação do Aproveitamento Hidroeléctrico de Martinchel projectado a dois quilómetros a montante da praia fluvial de Constância, a ser incrustado entre esta vila e a barragem do Castelo de Bode com o limite da sua cota na estrada que ruma a Martichel.
A obra projectada inviabilizaria de imediato as descidas de canoa no rio Zêzere, a actividade turística com maior procura na nossa região de que dependem muitas empresas e postos de trabalho, associados à canoagem, ao lazer, à restauração e à hotelaria, entre outras.
Além da substituição das canoas por passeios de gaivotas a pedais, disponíveis em qualquer das muitas albufeiras da região, iriamos sofrer uma grave perda cultural ao submergir do valioso património do estaleiro naval dos templários, recentemente descoberto e ainda por estudar, bem como uma perda ambiental que seria inflectida por esta descontinuidade fluvial que interromperá as rotas migratórias das espécies piscícolas com destino aos rios Zêzere e Nabão, e pelo acentuar da falta de caudais no rio Tejo em consequência da redução do caudal de chegada à foz do rio Zêzere.
Mas as obras hidráulicas no rio Zêzere não ficam por aqui, o projecto de Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo prevê ainda “o aproveitamento de Preanes, no concelho de Constância, no rio Zêzere, com uma potência de 3,8 MW foi colocado no quadro de micro aproveitamentos, já que a sua realização está fortemente condicionada pelas características do aproveitamento já concessionado de Martinchel a montante e pelos níveis de cheia excepcional do rio Tejo naquela zona, que periodicamente poderá submergir a central.”
Em termos ambientais teremos um agravamento dos impactos do “grande” açude quando somados aos do “pequeno” açude, quer a montante, ao impedirem completamente a subida do peixe, quer a jusante, diminuindo os caudais que afluem à foz do rio Zêzere no rio Tejo.
E se possível, que tal uma sucessão de charcos até Lisboa, com açudes de fio de água, em vez de um rio vivo e pleno de vida e biodiversidade?
A biodiversidade não pode ser apenas a palavra bonita que serviu para fazer brilhar os iluminados e incendiar as conferências do ano de 2010, devendo antes servir de referência para as decisões que tomamos todos os dias e que influirão na capacidade de mantermos os ecossistemas que nos mantêm vivos.
O Zêzere merece ser um rio vivo e vivido!
Paulo Constantino