quinta-feira, 29 de dezembro de 2011

A DANÇA DOS TRANSVASES - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" - JORNAL A BARCA - 28 DE DEZEMBRO DE 2011


Nos últimos 30 anos a política de gestão da água e dos rios em Espanha sustentou-se em grandes obras hidráulicas que retêm a água dos rios em barragens ou a desviam por transvases entre bacias hidrográficas com vista ao favorecimento económico das actividades de agricultura intensiva ou dos empreendimentos imobiliários associados ao turismo.
O fim em si mesmo é a rentabilização económica da água dos rios independentemente da sustentabilidade social, ambiental e, em última instância, económica das actividades que dependem deste recurso.
Através dos transvases geram artificialismos na distribuição geográfica da disponibilidade dos recursos hídricos com impactos relevantes nas bacias cedentes e receptoras, sendo que as primeiras deixam de dispor da água suficiente para as suas actividades económicas e de lazer das populações ribeirinhas, enquanto as segundas prosseguem em ciclos de crescimento vicioso de investimento em actividades que são insustentáveis por se suportarem em recursos que ali não existem.
Apesar desta realidade começar a ser espelhada nos novos planos de gestão das regiões hidrográficas, os políticos mostram-se incapazes de contrariar a pressão dirigida à contínua busca de ganhos imediatos e de conduzirem os seus povos por um caminho que conserve e garanta a disponibilidade deste recurso fundamental e fonte de vida que é a água.
Um forte exemplo disto mesmo é o regresso da dança dos transvases em Espanha.
Depois dos movimentos de cidadania dos anos 70 terem imposto o recuo do transvase previsto para o rio Ebro, que acabou por ser construído na cabeceira do rio Tejo, e do projecto de plano de gestão da bacia do Tejo espanhol demonstrar a insustentabilidade da manutenção do transvase Tejo – Segura, voltam à ribalta os políticos do levante espanhol a pedir transvases do rio Ebro.
Voltam, mas apenas pela iminência de penalizações pelo incumprimento da política europeia da água na bacia do Tejo, em Portugal e Espanha, a qual os técnicos, profissionais e estudiosos reconhecem não aguentar mais pressões dos usos e abusos a que tem sido sujeita.
Voltam, para saciar a sede de um sem número de explorações agrícolas e imobiliárias que se multiplicaram insustentavelmente à custa de recursos hídricos alheios provenientes de outras regiões e se destinariam a mares que banham outros países.
E voltam, embora existam soluções alternativas que permitem obter uma melhoria do bem-estar das suas regiões e países, sendo a dessalinização e o investimento na eficiência hídrica a melhor forma de garantir a água necessária com ganhos para todas as regiões, cedentes e receptoras.
Será tudo uma questão de bom senso e de partilha de benefícios.
Não podem defender que a “água é de todos”, quando não estão dispostos a contribuir para que o bem-estar colectivo das regiões e dos países seja maior que o seu umbigo inchado e a transbordar.
Enquanto cidadão faço votos que os projectos dos novos planos de bacia hidrográfica tracem uma rota no sentido da gestão da água por onde ela flui, uma rota a percorrer ao longo das próximas gerações, mas, principalmente, uma rota que garanta os recursos de que tanto irão necessitar.
As gerações futuras merecem um Tejo vivo e limpo!
Paulo Constantino

quinta-feira, 3 de novembro de 2011

CRÓNICA DE UM AÇUDE ANUNCIADO - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" - JORNAL A BARCA - 3 DE NOVEMBRO DE 2011

O contentamento da centena e meia de pessoas que no dia 24 de Setembro partilharam com alegria as águas do rio Zêzere e do rio Tejo a VOGAR CONTRA A INDIFERENÇA prova a importância de termos rios vivos que possam ser vividos e proporcionem os sentimentos de bem-estar e de felicidade que o nosso povo tanto precisa.
A descida também foi educativa com todos os participantes a constatarem “in loco” uma elevada poluição das águas e um insuficiente caudal do rio Tejo e, ao contrário de algumas descidas em que participei no rio Zêzere, durante a paragem no areal ninguém optou por tomar banho no rio.
O rio Zêzere recebe maior atenção com a finalidade de conservar a qualidade das águas que têm como destino as torneiras de muitas cidades, entre as quais Lisboa, mas infelizmente não está livre de ameaças, muito pelo contrário.
Este rio “vivo” que todos os anos atrai milhares de canoístas de todo o país está hoje ameaçado pela adjudicação do Aproveitamento Hidroeléctrico de Martinchel projectado a dois quilómetros a montante da praia fluvial de Constância, a ser incrustado entre esta vila e a barragem do Castelo de Bode com o limite da sua cota na estrada que ruma a Martichel.
A obra projectada inviabilizaria de imediato as descidas de canoa no rio Zêzere, a actividade turística com maior procura na nossa região de que dependem muitas empresas e postos de trabalho, associados à canoagem, ao lazer, à restauração e à hotelaria, entre outras.
Além da substituição das canoas por passeios de gaivotas a pedais, disponíveis em qualquer das muitas albufeiras da região, iriamos sofrer uma grave perda cultural ao submergir do valioso património do estaleiro naval dos templários, recentemente descoberto e ainda por estudar, bem como uma perda ambiental que seria inflectida por esta descontinuidade fluvial que interromperá as rotas migratórias das espécies piscícolas com destino aos rios Zêzere e Nabão, e pelo acentuar da falta de caudais no rio Tejo em consequência da redução do caudal de chegada à foz do rio Zêzere.
Mas as obras hidráulicas no rio Zêzere não ficam por aqui, o projecto de Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo prevê ainda “o aproveitamento de Preanes, no concelho de Constância, no rio Zêzere, com uma potência de 3,8 MW foi colocado no quadro de micro aproveitamentos, já que a sua realização está fortemente condicionada pelas características do aproveitamento já concessionado de Martinchel a montante e pelos níveis de cheia excepcional do rio Tejo naquela zona, que periodicamente poderá submergir a central.”
Em termos ambientais teremos um agravamento dos impactos do “grande” açude quando somados aos do “pequeno” açude, quer a montante, ao impedirem completamente a subida do peixe, quer a jusante, diminuindo os caudais que afluem à foz do rio Zêzere no rio Tejo.
E se possível, que tal uma sucessão de charcos até Lisboa, com açudes de fio de água, em vez de um rio vivo e pleno de vida e biodiversidade?
A biodiversidade não pode ser apenas a palavra bonita que serviu para fazer brilhar os iluminados e incendiar as conferências do ano de 2010, devendo antes servir de referência para as decisões que tomamos todos os dias e que influirão na capacidade de mantermos os ecossistemas que nos mantêm vivos.
O Zêzere merece ser um rio vivo e vivido!
Paulo Constantino

terça-feira, 13 de setembro de 2011

UM RIO DE FELICIDADE - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" - JORNAL A BARCA - 26 DE AGOSTO DE 2011

A felicidade tem vindo a ser considerada como “um estado durável de plenitude, satisfação e equilíbrio físico e psíquico, bem-estar espiritual ou paz interior em que o sofrimento e a inquietude estão ausentes” e que abrange ainda “emoções ou sentimentos que vão desde o contentamento até a alegria intensa ou júbilo”.
Para Rosseau é difícil ver homens felizes, mas vêem-se “muitas vezes corações contentes”, visto que a felicidade se lê no coração enquanto a alegria se lê nos olhos, no porte, no sotaque, no modo de andar, e parece comunicar-se a quem dela se apercebe”, sublimando o doce prazer de “ver um povo entregar-se à alegria num dia festivo, e todos os corações desabrocharem aos raios expansivos do prazer que passa, rápida mas intensamente, através das nuvens da vida”.
As emoções e o contentamento provocado pelo disfrute das águas que percorrem um rio numa corrente com destino de onda e desejo de mar será “fluviofelicidade”, um conceito criado pelo catedrático em Hidrogeologia e fundador da Fundaçao Nova Cultura da Água, Javier Martínez Gil, que tem tido muita aceitação entre os entusiastas dos desportos de aventura nos rios.
Este conceito pretende transmitir o prazer proporcionado pelo contacto com o meio fluvial, podendo sentir-se deslizando numa canoa pelas águas de um rio ou observando um pato que brinque às escondidas nos caniçais.
A teoria da “fluviofelicidade” defende que os rios geram “bem-estar e sentimentos de felicidade nas pessoas, sendo fontes de emoções e símbolos da vida, fertilidade, nascimento e renovação, fortemente arreigados na nossa cultura e fruto da interiorização de uma ligação especial entre o ser humano e a água que flui”.
A beleza dos rios gera bondade e transmite-nos a tranquilidade, o sossego e a liberdade de que necessitamos para alcançarmos a nossa própria felicidade interior, bem ilustrada na redenção e libertação que o Siddhartha de Hermann Hess alcança como barqueiro de um grande rio que tudo e todos percorrem, ao longo da vida e por todas as eternidades.
Defende ainda a valorização dos rios como património cultural e de identidade, sendo a sua defesa vital para as cidades e povoações situadas nas suas margens, que tendem a perder a sua personalidade quando os rios se degradam ou são desvirtuados os seus leitos.
A visão de um rio contaminado ou degradado transtorna-nos e traz-nos à consciência o vandalismo que nos rodeia, sendo um espelho de uma destruição que provoca défices de beleza que as experiências de “fluviofelicidade” podem ajudar a devolver ao proporcionarem o contacto com o melhor dos nossos rios.
Esta concepção assenta numa nova cultura da água e da vida que aponta os rios como a alma do território cuja destruição extingue a ligação do homem com o seu território.
A actividade VOGAR CONTRA A INDIFERENÇA, a realizar no próximo dia 24 de Setembro pelo protejo – Movimento Pelo Tejo, propõem-vos isto mesmo, uma descida de canoa de Constância a Vila Nova da Barquinha que será simultaneamente um tributo à conservação e à vivência da alegria festiva da “fluviofelicidade” no nosso rio Tejo.
E você está pronto para ser “fluviofeliz”?
Participe, o Tejo merece!
Paulo Constantino

quinta-feira, 21 de julho de 2011

TEJO MEIO CHEIO, MEIO VAZIO - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" - JORNAL A BARCA - 21 DE JULHO DE 2011

O projecto de Plano de Gestão da Região Hidrográfica, apresentado no passado dia 13 de Julho, representa um passo positivo na afirmação de um planeamento e gestão da água que passa a focar-se na adopção de medidas para alcançar um bom estado ecológico das massas de água dos rios e afluentes do Tejo.
“Bom estado” das águas? E ainda por cima, “ecológico”?
Apesar dos serviços sociais e económicos da água (uso doméstico, irrigação, energia, transporte, lazer e turismo, identidade cultural) serem mais perceptíveis pelo utilizador, os serviços ecológicos (manutenção da qualidade da água, controlo do caudal, estabilização do clima, biodiversidade, protecção dos campos de cultivo) são mais críticos para a sustentabilidade global.
Esta nova abordagem, alicerçada na política europeia da água com a aplicação na Directiva Quadro da Água, afirma que a sustentabilidade da provisão das funções ecológicas, sociais e económicas da água depende da capacidade de assegurar um bom estado ecológico, ou seja, um bom estado de conservação das massas de água e dos ecossistemas aquáticos.
Os novos planos significam uma brisa de esperança na desoladora “secura” a que o Tejo tem sido votado pela primazia absoluta dos interesses políticos, económicos e financeiros em detrimento dos objectivos ambientais.
Uma brisa soprada num apelo de realismo que, não se limitando a ver o copo meio cheio ou meio vazio, pretende encher um pouco mais o copo com as medidas possíveis num contexto de escassez de recursos financeiros.
Antes de tudo, a primeira medida para encher o copo será impedir que o Tejo seja bebido de um trago num qualquer bar aberto do Levante espanhol.
A verdade é que olhamos pela janela e vemos o rio Tejo cada vez com menor caudal após um ciclo de dois anos de precipitações abundantes que permitiram um armazenamento de água na bacia do Tejo em Espanha muito superior ao registado na última década.
O mau estado do rio Tejo, regulado por barragens desde a cabeceira até Abrantes, é atestado pela classificação de 7º rio europeu com maior nível de sobre exploração (índice WISE da Agência Europeia do Ambiente), fundamentalmente em resultado das pressões exercidas pela exploração agrícola e hidroeléctrica.
Este diagnóstico agrava-se quando o índice que avalia as pressões provocadas pelos usos domésticos, industriais e agrícolas sobre os recursos hídricos derivados do subsolo, dos rios e da precipitação anual coloca Portugal como o terceiro país europeu em situação mais vulnerável, com um maior risco para a região de Lisboa e Vale do Tejo, e ocupando a 45ª posição a nível internacional.
É ainda previsível que estas pressões venham a ser acentuadas pelas alterações climáticas e pelo aumento do risco de secas e inundações, tendo o Comité das Regiões apontado a necessidade da governação a vários níveis para a gestão das regiões hidrográficas, envolvendo os poderes europeus, nacionais, regionais e locais, bem como uma perspectiva transfronteiriça, a definição de objectivos precisos de eficiência ao nível das regiões hidrográficas por sector de actividade, a utilização eficiente da água e o alargamento do Pacto de Autarcas de modo a incluir a utilização sustentável da água.
Estes conselhos e o facto das perdas de água ascenderem a 35% do consumo de água deveriam ser motivação suficiente para as autarquias promoverem o uso eficiente da água, quer divulgando as boas práticas de utilização, de que é exemplo o Município de Arcos de Valdevez (http://uea.cmav.pt), quer implementando sistemas de gestão eficiente da água de que é pioneiro o Município de Sousel.
Lago das Tágides 4
Se todos contribuirmos talvez as belas Tágides regressem ao Tejo cavalgando as suas águas nos dorsos dos golfinhos, voltando a inspirar as odes dos nossos poetas.
O Tejo merece!
Paulo Constantino

quinta-feira, 5 de maio de 2011

A CIDADANIA ACTIVA NA GESTÃO DA ÁGUA DO TEJO - - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" - JORNAL A BARCA - 5 DE MAIO DE 2011

As V Jornadas “Por Um Tejo Vivo” serão realizadas em Portugal pela primeira vez, de 14 a 15 de Maio de 2011 com o apoio do município de Azambuja, acolhendo como participantes os representantes de mais de 100 organizações de cidadãos e associações ambientalistas de Espanha e Portugal, reunidas na Rede de Cidadania por Uma Nova Cultura da Água no Tejo/Tajo.
Encontramo-nos num momento crucial para o futuro do Tejo e seus afluentes uma vez que em Junho de 2011 serão divulgados e colocados à participação pública os Planos de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo, em Portugal e em Espanha, que contêm as orientações de gestão e utilização da bacia do Tejo.
Estes planos incluem temas chave como o regime de caudais ambientais, os objectivos quanto ao estado ecológico das águas, as procuras em cada subsistem da bacia em função dos usos identificados, as medidas para alcançar os objectivos estabelecidos, em especial, o bom estado ecológico das águas da bacia do Tejo a alcançar até 2015, nos termos da Directiva Quadro da Água.
A participação pública no processo de elaboração do Plano de Gestão da Região Hidrográfica do Tejo deve concretizar-se pela informação, consulta e envolvimento activo dos interessados na decisão, assegurando a transparência do processo de decisão e o envolvimento dos cidadãos na tomada de decisão acerca dos temas que o possam afectar.
O acesso e divulgação da informação são condições essenciais para uma participação activa e eficaz do cidadão, que tendo abertura de diálogo e esclarecimento antecipado por parte das autoridades competentes deverá também assumir a sua quota-parte de responsabilidade na melhoria da decisão tomada.
Infelizmente os processos de participação pública nos novos planos de bacia têm sido insuficientes e têm vindo a intensificar-se as pressões para a manutenção dos transvases da bacia do Tejo para a bacia do Segura e Guadiana, assim como para a concretização de novos transvases desde a Estremadura, no Médio Tejo espanhol, que condicionam a gestão do rio.
Em boa verdade, antes da Páscoa, o Ministério do Ambiente, Assuntos Rurais e Marinhos de Espanha ordenou à Confederação Hidrográfica do Tejo o cancelamento do debate sobre caudais ambientais na bacia hidrográfica do Tejo, que esta tinha agendado no âmbito do processo de participação pública, devido à pressão do Sindicato de Regantes do Aqueduto Tejo Segura (SCRATS), que classificou esta iniciativa como de “ousadia”.
A Universidade de Madrid e a Fundação Nova Cultura da Água conjugaram esforços e organizaram o primeiro debate público sobre caudais ambientais na bacia do Tejo, na mesma data e com os mesmos oradores, resistindo a estas pressões políticas e aos interesses económicos que querem retirar aos cidadãos e utilizadores da água da bacia do Tejo a oportunidade de discutir, identificar problemas e em conjunto encontrarem soluções para os muitos desafios que a recuperação do bom estado ecológico dos rios da bacia do Tejo coloca.
De igual modo, estas Jornadas apresentam-se como uma oportunidade única para que cidadãos e associações da bacia do Tejo analisem conjuntamente os novos Planos de Gestão da Região Hidrográfica, avaliando a forma como abordam os problemas que afectam o rio e os seus afluentes, e elaborem propostas sólidas de alternativas de gestão que permitam a recuperação do rio e dos seus territórios.
E mais importante, permitirão informar, preparar e incentivar os cidadãos e associações da bacia do Tejo a intervirem activamente na participação pública vertendo o conhecimento de largos anos de experiência e vivência do rio Tejo ou de qualquer dos seus rios, ribeiro ou riachos, em contributos concretos de melhoria das propostas de planeamento e gestão da água que venham a ser apresentadas pela administração.
A verdadeira cidadania activa faz-se participando e contribuindo para fazer melhor.
O TEJO MERECE A NOSSA PARTICIPAÇÃO!

quinta-feira, 24 de março de 2011

POR UM TEJO VIVO E NÃO RADIOACTIVO - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" - JORNAL A BARCA - 24 DE MARÇO DE 2010

Na Europa encontram-se em funcionamento um terço das centrais nucleares do mundo (149 - 34%), que produzem uma equivalente proporção da geração da energia eléctrica neste continente (38%) e da produção de energia nuclear mundial (38%), predominantemente localizadas na França, Reino Unido e Alemanha.
O acidente de Fukushima, Japão, veio relembrar que os perigos da energia nuclear na Europa e na península ibérica com diversas organizações portuguesas e espanholas a reclamarem mais uma vez o encerramento de todas as centrais nucleares em Espanha (10 reactores nucleares), que foram construídas apesar das fortes mobilizações antinucleares.
A 15 de Março de 1976, Portugal disse não ao Nuclear em Ferrel, no concelho de Peniche, localidade situada numa zona de sismicidade elevada, graças à população que se insurgiu contra a construção de uma central nuclear na sua terra.
As águas do rio Tejo servem os sistemas de refrigeração das centrais nucleares espanholas de Trillo, através da barragem de La Ermita, e de Almaraz, na albufeira de Arrocampo.
A central nuclear José Cabrera até 2006 também se refrigerava com as suas águas na barragem de Zorita, tendo sido encerrada após 38 anos de actividade.
A central nuclear de Almaraz descarrega as águas de refrigeração dos seus dois reactores no rio Tejo, aumentando a radioactividade artificial do seu leito de acordo com o Instituto Tecnológico e Nuclear, apenas a sete quilómetros do Parque Nacional de Monfrague e a cento e dez quilómetros do Parque Nacional do Tejo Internacional, em território português, locais onde se alimentam as cegonhas negras, as águias imperiais e os abutres negros.
Em Outubro de 2010, realizou-se uma Conferência Internacional de Risco Tecnológico Nuclear que incidiu sobre um cenário de terramoto na zona de Almaraz aportando riscos de acidente nuclear e de inundação que adviria do rebentamento da barragem de Vadecañas e do consequente galgamento da Barragem de Cedilho, provocando inundações desde Vila Velha de Rodão até à Barragem do Fratel, tendo ficado por saber se as barragens de Fratel e Belver aguentariam tais cargas.
Um eventual acidente nuclear levaria a um aumento da contaminação radiológica do rio Tejo entre as barragens do Alto Tejo português cujos efeitos se estenderiam até Lisboa visto que a água e o ar são os melhores condutores de radiação e o rio corre sempre na mesma direcção, para a foz.
Apenas seria possível garantir as medidas de protecção básicas à população como permanecer dentro dos edifícios, fechar todas as portas e janelas, desligar ventilações e lavar com água e sabão as vítimas contaminadas com radioactividade visto que o exército apenas dispunha de material de descontaminação para os seus elementos, motivo pelo qual o simulacro realizado em Novembro apenas testou a resposta da protecção civil aos riscos de inundação.
A inquietação que provoca esta insuficiência de meios de intervenção aumenta devido a outras lacunas, desde a ausência de planos de emergência para as várias cidades e regiões afectadas, apenas elaborados para a região de Castelo Branco, a escassa coordenação entre os organismos responsáveis e até à falta de informação dos cidadãos sobre estes riscos.
A Central de Almaraz iniciou o seu funcionamento em Outubro de 1981 tendo a mesma antiguidade que as centrais recentemente encerradas na Alemanha para avaliar a sua segurança e ponderar a sua continuidade em funcionamento.
Ao invés, o governo espanhol afirmou de forma peremptória que "as centrais em Espanha são seguras" mas "anunciou que vai ser realizada uma revisão dos sistemas em vigor, especialmente para lidar com cenários de catástrofes naturais".
O governo português afirmou que "Portugal estará, pelo menos, tão preparado como o Japão", enquanto o responsável do Comando Distrital de Operações de Socorro de Portalegre afirmou que "uma eventual explosão na central nuclear de Almaraz obrigaria à “progressiva” retirada da população da zona de Portalegre" e que outro passo “seria desenvolver um plano de descontaminação junto das pessoas e das águas do rio Tejo".
Afinal as centrais nucleares espanholas são ou não são seguras?
Existem ou não existem planos de emergência e meios de descontaminação?
Será este o momento de investir seriamente na investigação de energia alternativas e sem riscos para o bem-estar ambiental e humano?
Será que a lamentável tragédia do Japão é suficiente para a consciência de que a energia nuclear não é solução?
A única forma de garantir a segurança das populações é dizer não ao nuclear e optar por energias verdadeiramente limpas e seguras.
Por um Tejo sem radioactividade!
Paulo Constantino

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

A ÁGUA DE UM RIO É O ESPELHO DO HOMEM? - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS" - 17 DE FEVEREIRO DE 2010

O filósofo Ludwig Fewrback afirmou que “a água é o primeiro espelho do homem” no sentido de que reflecte a identidade e a verdade da acção do homem sobre a natureza.
Alguns defensores da água vão mais longe questionando a sustentabilidade do nosso modo de vida e do tratamento das águas do planeta ao afirmarem “se um rio é como um espelho que reflecte os valores e comportamentos da nossa sociedade, a nossa não vale o que bebe nem o que come, valendo talvez o que produz de sujidade, lixo e poluição...” (Dom Luiz Flávio Cappio - Bispo da Diocese de Barra, Bahia).
À semelhança de Narciso, o Homem rejeitou a paixão da ninfa Eco e foi amaldiçoado a apaixonar-se incontrolavelmente pelo consumo exagerado e desregrado que não sendo capaz de satisfazer em harmonia com a natureza por certo o conduzirá ao suicídio por exaustão dos solos, da floresta e da água, pela desertificação do planeta. O próprio slogan “salvar o planeta” denota uma cegueira de quem não assume que tem de agir para salvar a própria vida e a biodiversidade que nele habita.
Na verdade, a degradação do ar, floresta, solo e água irá prejudicar a qualidade destes recursos no futuro e conduzir a uma menor produtividade das diversas actividades económicas que destes dependem, que actualmente mantém práticas e níveis de produção insustentáveis face aos recursos disponíveis.
Quanto aos recursos hídricos, aos rios, ribeiras e aquíferos, o seu estado ecológico tem vindo a ser prejudicado por factores de diversa ordem, como sejam:
a) a menor capacidade de retenção da água nos solos devido à plantação de vegetação que facilita a evaporação (ex: eucalipto) em substituição de vegetação autóctone (ex: carvalho) que a dificultava;
b) a degradação da qualidade da água decorrente do insuficiente tratamento das águas residuais do consumo humano, da poluição produzida pelo excesso de fertilizantes químicos utilizados na agricultura intensiva, pelas descargas ilegais da indústria agro-alimentar e da pecuária, com especial responsabilidade das suiniculturas, e pelo aumento do número de barragens;
c) o esgotamento de aquíferos e a escassez de águas subterrâneas decorrente da sobre - exploração dos recursos hídricos pelo agricultura de regadio;
d) a redução dos caudais dos rios que são alimentados pelos aquíferos, desviados através de transvases para a irrigação de outras bacias e retidos por barragens que alteram o ciclo hidrológico e favorecem a evaporação;
e) a diminuição dos caudais que permite a subida da água do mar face ao recuo da água doce e a progressão da salinização dos solos com a consequente redução da superfície de terras disponíveis para a agricultura.
Os maltratos a que o rio Tejo está actualmente sujeito é um bom exemplo da cegueira e do desequilíbrio na exploração dos recursos hídricos, sendo também um espelho que reflecte a degradação dos seus afluentes.
O rio Tejo tem visto os seus caudais diminuídos até à secura devido à retenção de água nas barragens e ao seu desvio por transvases, enquanto os seus afluentes lhe têm vindo a transmitir uma acentuada carga de poluição gerada pelas descargas de efluentes das suiniculturas e da indústria agro-alimentar no rio Maior, de químicos da indústria dos curtumes no rio Alviela, de fertilizantes químicos excessivamente usados na agricultura intensiva, da indústria de óleos e de álcool no rio Almonda e das águas residuais de consumo humano (esgotos domésticos) sem adequado tratamento na ribeira de Santa Catarina, como em tantos outros dos afluentes da sua bacia.
E vocês? Já olharam bem para os rios, ribeiras e riachos da vossa terra?
Acham que o Tejo os merece?
Paulo Constantino