domingo, 13 de junho de 2010

ÁGUAS (IN)FINDAS - CRÓNICA "CÁ POR CAUSAS” - JORNAL "A BARCA” - 10 DE JUNHO DE 2010

Águas são muitas, infindas. E em tal maneira esta terra é graciosa, que querendo aproveitar, dar-se-á nela tudo por bem das águas que tem", foram as palavras escritas na carta real de Pero Vaz de Caminha a D. Manuel I, rei de Portugal no dia 1 de Maio de 1500, onde transmite o deslumbre com o Novo Mundo.
Avançando para o nosso tempo, 500 anos depois, descobrimos que as águas não são tão infindas assim.
A ilusão de “Planeta Azul” que todos conhecemos foi criada pela impressionante visão dos oceanos permitida pelas viagens espaciais e produzida pela fina camada de água que cobre a superfície de um grande “Planeta Cor de Terra”.
A percentagem de água salgada na Terra é de 97,5% e apenas os restantes 2,5% são de água doce, da qual 70% (1,8% da água) se encontra sob a forma de gelo nas regiões polares e montanhosas, tal como o planalto do Tibete e a cordilheira dos Himalaia, mas que as alterações climáticas estão a derreter e a fazer recuar colocando em causa a sobrevivência de dois mil milhões pessoas que dependem dos rios alimentados por neve e gelo.
A restante água doce (0,7% da água) encontra-se maioritariamente nos aquíferos que se esgotam a uma velocidade superior à sua taxa de recarga, de que é exemplo o esgotamento do aquífero 23 de Tablas de Daimiel pela agricultura intensiva cujo remedeio consistiu em transvases de água do Tejo para iludir os patos, mas que não iludiu a Comissão Europeia que notificou o governo espanhol por infracção.
A escassez e pressão tornam a água doce alvo de conflitos pela sua posse e gestão, nomeadamente, resultantes das fragilidades institucionais causadas pela coexistência de leis consuetudinárias, que respondem às necessidades tradicionais, e de novas leis que resultam na ausência de um quadro normativo consistente.
Na bacia do Tejo temos as contradições entre a legislação espanhola do transvase e da Convenção de Albufeira com a estratégia europeia para a água e rios expressa na nova Directiva Quadro da Água (DQA), incorrectamente transposta por Espanha, mais uma vez notificada por infracção.
Neste domínio seria útil que a convenção de Albufeira estabelecesse medidas de antecipação ou indemnização dos utilizadores que foram afectados por secas ou penalizados por políticas que beneficiaram outros actores interessados, conjugando medidas monetárias, desincentivadoras de comportamentos prejudiciais, e não – monetárias, promotoras da recuperação dos danos causados.
Lamento que o governo português ainda não tenha tido coragem para exigir igual responsabilização de Espanha pelo incumprimento dos caudais mínimos no rio Tejo como o fez num anterior incumprimento no rio Douro, tendo as autoridades espanholas declarado, após a recente reunião da Comissão da Convenção, que a compensação foi satisfeita com reposição de água durante os fartos meses de inverno.
Também a DQA vem sendo ignorada por ambos os países com sucessivos atrasos na elaboração dos planos de gestão da bacia hidrográfica que, se estivessem concluídos a 22 de Dezembro de 2009, deveriam permitir uma visão mais clara das medidas a adoptar para fazer face aos problemas de escassez de água e da seca que se presume venham a agravar-se.
O cumprimento da DQA deveria ser visto como uma oportunidade para resolver os conflitos entre as comunidades autónomas de Castilha - La Mancha e de Valência e Múrcia, promovendo programas comunitários de apoio à adopção de alternativas às fontes de água tradicionais, ajudando a mitigar o risco de escassez e a acalmar a disputa, com recurso à tecnologia (e.g. centrais de dessalinização) e à eficiência e racionalização dos processos de irrigação.
As crescentes pressões sobre os recursos hídricos constituem ainda um desafio e uma oportunidade para a aquisição do saber fazer e de tecnologias que coloquem a indústria portuguesa e europeia na vanguarda da acção sobre o futuro do sistema hidrológico, a limpeza das águas, o reforço da biodiversidade, uma melhor eficiência hídrica, aproveitando ao máximo a água disponível.
O progresso está no entroncamento de conflitos, desafios e oportunidades desde que saibamos o essencial: o Tejo não é só nosso mas também é nosso!
E nós somos do Tejo!

Sem comentários:

Enviar um comentário